segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

NASCE A FILOSOFIA

Quando uma criança começa a dar conta de si, começa a perguntar. Além de ser um modo de estar junto do adulto, é a especialidade do ser humano que evolui nela, ou seja, a necessidade de saber as coisas, de obter respostas para as dúvidas, de conhecer como os fenômenos atuam, de querer explicações...
Isto é inato na criatura humana. Nasce com ela e distingui-a dos demais seres. Tendo a capacidade de analisar a si e ao outro (o mundo fora dela) – e analisar, em filosofia, significa separar um todo em partes para entendê-lo – deparar- se com perguntas intrigantes. Por exemplo: Quem sou eu? O outro existe? De onde vim? Para onde vou? O que é o mundo? Quem o fez? Porque só minha espécie animal é assim?, etc.
Como ser, o homem sente-se parte do universo, mas ao mesmo tempo separado dele. Esta consciência de fusão e distanciamento simultâneos gera nele – homem – uma insegurança, um medo profundo. É uma angústia vital, existencial, e para sair dela há necessidade de saber, de conhecer, de entrar pela porta dos mistérios, de penetrar o íntimo de tudo, porque a esfinge está aí a lhe dizer continuamente: decifra-me ou te devoro. Enfim, o desconhecido apavora o ser humano.
Desta condição essencial desenvolve-se o pensamento teórico, especulativo, explicador dos acontecimentos. Nascendo inseguro e questionador, o homem gerou o pensamento empírico (idéias que vão surgindo à medida que se vão fazendo as coisas) que, aprofundado e provado, origina o pensamento científico – a ciência.
Frente ao misterioso, ao não experimental, gerou também o pensamento confiante, crente em forças superiores a si, corporificado na religião e no mito. É o pensamento mítico, é o pensamento revelado, inquestionado e aceito.
Pensando sobre esses dois tipos de pensamento, argumentando sobre eles, buscando causas, etc., com suas próprias forças internas de raciocínio, o homem concebe o pensamento argumentado, o pensamento filosófico.
A vida humana gira, dia e noite, nestas três órbitas de pensamento, aliás, interligadas e presentes indelevelmente. Convém, todavia, explicar melhor a diferença entre eles.

  • O conhecimento científico:
    Passa inicialmente pelo conhecimento empírico que é fruto do exercício espontâneo da inteligência. São conhecimentos imperfeitos, nem sempre objetivos, particularizados, prematuros. Por exemplo: os palpites populares sobre condições meteorológicas; alguns provérbios ou máximas populares muito comuns entre nós sobre o comportamento humano, etc., são ainda conhecimentos empíricos. São noções que não devem ser desprezadas, ao contrário, formam o primeiro degrau da ciência.
    Quando o empirismo é substituído por conhecimentos certos, comprovados, ou seja, verdades fundadas em princípios e causas que se aplicam a todos os casos e em qualquer tempo e em qualquer lugar, então chegamos à ciência, ou pensamento científico.

  • O conhecimento mítico:
    É saber que a pessoa recebe fé, pela confiança que tem em alguma força ou pessoa superior a ela. Nele fundamenta-se a religião. Aceitam-se as afirmações sem discuti-las ou questioná-las, pela crença no transmissor da mensagem. Este conhecimento prescinde de maiores provas intelectuais e vai desde as ingênuas explicações ou simples esclarecimentos de um ministro religioso ou benzedor popular sobre eventos particulares (por exemplo: raios são a ira de Deus; Aids é castigo...) até as complexas teorias sobre os mistérios do cosmo trazidas pelos grandes sistemas místico-religosos.

  • O conhecimento filosófico – conceito da filosofia:
    O pensamento filosófico distinguiu-se do pensamento mítico porque é fruto da capacidade do intelecto humano de procurar as causas mais profundas de tudo. Não é um pensamento só científico porque vai além da ciência, discutindo as causas de tudo de um modo não mensurável. Neste aspecto, o pensamento filosófico debate tudo, até a própria ciência e o próprio mito. Por isso constantemente se vêem artigos, livros, teses, etc., com o nome, por exemplo, de “Filosofia da religião”, “Filosofia do esporte”, e assim por diante. É que o pensamento filosófico se dá o direito de analisar o Ente (tudo que existe no concreto e na imaginação); de questioná-lo; de perfurá-lo até chegar a seu núcleo; de transpassá-lo para localizar suas causas; de pensar e pesar as conseqüências de sua existência, etc.
    Foi pensando nesta universalidade do pensamento que – a partir provavelmente de Pitágoras (século V antes de Cristo) – esta postura humana recebe o nome grego de filosofia: de filo = amigo ou amizade e de sofia = sabedoria. Antes dele, o filósofo era chamado de sábio – sophon – ou seja, a pessoa fluente no todo, o amigo do todo que une todos os entes. Pitágoras achava que este nome só se aplicaria a Deus e escolheu um nome mais modesto para o homem pensante, denominando-o de “filósofo” – amigo da sabedoria.

    Para maior clareza damos um exemplo de uma imagem de santo.
  • O pensamento mítico estuda o que o santo é para a pessoa, que proteção sobrenatural traz a ela;
  • O pensamento científico estuda o material da estátua, peso, dimensões, efeitos físicos e psíquicos;
  • O pensamento filosófico estuda as causas do fenômeno “estátua de santo”: Causa Eficiente (identificação de forças que produzem o fenômeno): Quem fez? De onde surgiu?; Causa Material (identifica os elementos que constituem um ser): É de gesso? Bronze? Madeira?; Causa Formal (identifica o modo, o formato como o ser se apresenta): É busto? Corpo inteiro? Homem? Mulher? Criança?
    Síntese final: o pensamento filosófico, ou Filosofia, é o conjunto das respostas que a mente humana consegue dar a todos as perguntas a que todo o existente pode ser submetido.

A DIVISÃO DA FILOSOFIA

Num passado não muito remoto, a filosofia foi uma das disciplinas de maior peso. Adotada nas escolas de nível médio e universitário, seu aprendizado, por exemplo, era requisitado nos cursos de direito (a lógica), e era uma etapa necessária para a formação dos sacerdotes católicos. Nos seminários eclesiásticos, o curso durava no mínimo três anos. Embora objeto de discussão, seu estudo obedece a uma divisão que se generalizou, devido a seu largo uso metodológico pelos professores das escolas mantidas ou orientadas pela Igreja Católica Romana.
O método seguido é o analítico-sintético, que vai das coisas sensíveis aos princípios metafísicos e a causa universal que é Deus. Portanto é um método indutivo que caminha pelos temas mais particulares para chegar aos mais universais.
Um exemplo da estratégia escolástica: escolhemos um tema da Teodicéia (filosofia natural). O assunto Deus dividido em partes que recebiam o nome de artigo. Por exemplo: Artigo I: Existe algum obstáculo que impede de conhecer a existência de Deus? Apresentava-se em seguida a definição dos termos – explicação do sentido que atribuía a cada expressão do assunto a ser demonstrado, quando necessário. Vinham a seguir as opiniões – idéias dos filósofos que abordaram o assunto, a favor ou contra. No nosso exemplo: os agnósticos, que não negam nem afirmam; os positivistas, que negam; os fideístas, que afirmam, mas só pela fé tradicional religiosa. Defendia-se então a tese, refutando as opiniões contrárias e apresentando os próprios argumentos, terminando o artigo com uma síntese ou conclusão final.

Raciocinando que as coisas podem ser consideradas:
  • Quer em si mesmas,
  • Quer em relação a nós,
  • A filosofia se desdobra em duas partes essenciais:

1. Filosofia especulativa - estuda os princípios supremos e as causas primeiras das coisas em si próprias;

2. Filosofia prática - trata das coisas relacionadas ao ser humano, ou seja, estuda o modo de utilizar as coisas para nosso benefício.

A estas duas partes acrescenta-se introdução geral que define os meios para se chegar à verdade que se chama: Lógica.

Fica assim a seqüência dos diferentes tratados da filosofia, com suas subdivisões:

Lógica - Ciência das leis ideais do pensamento e a arte de aplicá- los corretamente à indagação e demonstração da verdade. Subdivide-se em:

  • Lógica formal (ou menor): estuda as leis e métodos do ato de pensar de um modo teórico, universal.
  • Lógica material (ou maior): estuda os métodos e procedimentos exigidos em cada disciplina particular, por exemplo, física, história, matemática...

Filosofia especulativa - Visa ao conhecimento puro do ser das coisas: sua constituição, causas, etc. Subdivide-se em:

  • Filosofia da natureza: Seu objeto de estudo é o mundo sensível, constatável pelos sentidos. Sofre duas novas subdivisões:

1. Cosmologia - Quando estuda o ser orgânico medido, matemático, numerado, quantificado...

2. Psicologia - Quando estuda o ser inorgânico em movimento, em mutação, ou seja, o mundo vivo como tal (vida vegetativa, sensitiva, racional).

  • Metafísica: Seu objeto de estudo são as realidades que estão além do mundo físico, do conferível pelos sentidos. Refere-se ao ser constitucional das coisas. Também sofre duas subdivisões:

1. Ontologia - Refere-se ao ser das coisas enquanto tal. O ser nos seus princípios supremos, nas suas razões basilares; não como se mostra nos fenômenos, mas em si, independente e superior às suas manifestações sensórias.

2. Teologia Natural (Usa-se também o termo teodicéia que vem de Leibnitz, cujo sentido é justificação de Deus) - Seu estudo é a causa última dos seres. Filosoficamente chega-se à conclusão da existência de uma causa incausada que causa tudo a que chamamos de Deus.

  • Crítica (Criteriologia) ou Epistemologia: Debate essencialmente a capacidade da mente humana de conhecer. Refletindo bem constata-se que a crítica é uma espécie de introdução à metafísica.

Filosofia prática - Tem por fim a busca do bem para o homem. Conhece não meramente para conhecer, mas para dirigir a ação. Os conhecimentos teóricos são para aplicar na vida concreta.

  • Estética (ou filosofia da arte): É o estudo do fazer humano, da obra a produzir. A arte em geral, as artes do “belo” em particular.
  • Ética (ou filosofia moral): É o estudo do agir humano, dos comportamentos, das atitudes, das normas, dos direitos, das obrigações, dos juízos morais, das opiniões.

A TRAJETÓRIA DA FILOSOFIA

A filosofia, como postura humana que anseia por um conhecimento racional, global, sistêmico, coerente das realidades humanas e extra-humanas é um fenômeno natural da Grécia.
De modo algum afirmamos que os outros povos não tiveram filosofia. Claro que tiveram e têm. Por trás da cultura hindu, japonesa, indígena, etc., percebe-se o pensamento filosófico, mas o sistema de apanhar o existente e abarcá-lo com um pensamento profundo, amplo, ordenado, coeso, coerente e preciso foi exclusividade grega.
Foi um plantio helênico que enraizou todo o pensar de nosso mundo ocidental. A civilização da Europa ocidental e, pela colonização, também da América, ergue-se sobre três colunas mestras: a espiritualidade judaico-cristã, o direito romano e o pensamento grego. Até a nomenclatura de estudos e ciências dificilmente escapa da Grécia. Nem a atualíssima ciência da computação conseguiu fugir dos tentáculos gregos e registrou-se como “cibernética” (do grego: tékne kibernetikê = “a arte do piloto”).
Os estudiosos atribuem essa primazia a alguns acontecimentos históricos que a Grécia teve competência para operar e que influenciaram substancialmente no modo grego de pensar. Alguns momentos importantes destas experiências históricas:
  • Viagens marítimas: Descobrindo locais e regiões remotas, habitadas segundo a imaginação por monstros, deuses, gigantes..., perceberam que nada disso existia no concreto. Houve o desencanto quanto às explicações pelo mito e fortificou-se a busca das explicações pela mente.
  • A criação do dinheiro: O ato material e concreto do escambo ficou abstrato. Exige cálculo, discussão de valores, análise de materiais, etc.
  • A invenção do calendário: A passagem e mudança do cosmo podia ser medida. O tempo era algo de natural e podia servir como baliza para analisar os fatos, as coisas...
  • A escrita fonética: Possibilitou escrever os pensamentos, não apenas figurá-los, com uma alta definição de detalhes, nuances, precisões jamais vistos.
  • O surgimento das cidades: A complexa vida do aglomerado urbano forma uma intrincada teia de relacionamentos em que tudo precisa sofisticar-se e evoluir. Neste emaranhado quem não se atualiza morre. Além do mais a vida em sociedade cria instituições para sua manutenção, por exemplo, a política e suas leis, o sistema escolar, os espaços públicos e assim por diante.

    Inserindo o trajeto da filosofia na clássica divisão das idades da História temos:

Idade Antiga:

  • Período pré-socrático (século VIII a.C.):
    Os pensadores dessa época tentam obter explicações para os mistérios da natureza: sua origem, sua constituição, suas leis intrínsecas, suas mutações. Principais pensadores: Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Pitágoras, Heráclito, Parmênides, Zenão, Anaxágoras, Empédocles, Demócrito...
    Uma pequena amostra: o princípio do mundo, portanto, de todas as coisas para Tales está na água; para Anaximandro, no ar; para Empédocles, nos quatro elementos: terra, fogo, ar, água.
    Para explicar a constituição do mundo, Demócrito cria praticamente o principio fundamental da teoria atômica, aparecida mais de um milênio depois. E, assim, Heráclito com suas idéias sobre o eterno movimento dos seres; Pitágoras com a importância do número... Idéias tão consistentes que ainda hoje agitam a moderna ciência.
  • Período socrático (século IV a.C.):
    Talvez devido às transformações políticas com as experiências democráticas na pólis de Atenas, sendo o cidadão estimulado a participar, deslocou-se o centro de interesse da reflexão filosófica: da natureza, para o homem. Emerge o problema antropológico: os filósofos priorizam o ser humano como tema principal de pesquisa.
    Sócrates é um marco divisório. Com ele, cria-se o mais esplendoroso edifício filosófico da Idade Antiga, embasado num sólido tripé ascensional: Sócrates – Platão – Aristóteles.
    A grande contribuição de Sócrates, conduzindo a mente humana a definir os conceitos, cresce com Platão, com suas elucubrações sobre as idéias e atinge o clímax com o grande sistema de pensamento de Aristóteles.
    Convicto de que a Filosofia devia ser a ciência de todos os conhecimentos e práticas do homem, Aristóteles organiza todo o saber de seu tempo, elaborando, inclusive, um método de pensar o pensamento (a Lógica) a que os filósofos posteriores pouco acresceram de essencial.
  • Período pós-socrático (século III ao século I a.C.):
    A filosofia transforma-se em um sistema de vida; procura preencher os vazios deixados pela negação dos mitos. Têm altos e baixos, mas não mantém a altura de vôo da época áurea.
    Perde o vigor e na linguagem de hoje pode-se compará-la à abundante literatura de auto-ajuda e/ou de formação ética, propondo vias de cura espiritual, de felicidade, de bem-estar... De forma freqüentemente individual e subjetiva.
    Algumas escolas se destacam, como o estoicismo de Zenão de Cítio, o epicurismo, o neoplatonismo de Plotino.
  • Período patrístico (século I ao século V d.C.):
    A filosofia grega defronta-se com o cristianismo dos padres da Igreja Católica; daí o nome de “patrística”. Surgem as primeiras elaborações filosóficas viabilizando uma conciliação entre as verdades religiosas, oriundas da fé na revelação divina, e a razão humana. O grande destaque é Santo Agostinho.

Idade Média:

Com a oficialização do cristianismo pelo Império Romano, no século IV d.C., ainda na Idade Antiga, as idéias cristãs entram na Idade Média, crescendo sempre em importância maior frente à Filosofia. As idéias religiosas e filosóficas caminham juntas, mas em paralelo. As honras são para as religiosas. Nos momentos em que se unem, a Filosofia é criada da teologia e serve-a como sustentáculo racional para os mistérios da fé. A patrística, nascida na Idade Antiga, revigora-se muito no primeiro período da Idade Média nutrindo-se bastante das idéias de Platão, não diretamente, mas através de suas ampliações e adaptações pelo Neoplatonismo. Os padres perceberam que estas filosofias de fundo platônico serviam para a defesa e apologia dos princípios cristãos.
Sobre o neoplatonismo fez-se mister um breve comentário, pois sua influência na Idade Média foi enorme, praticamente até o século XIII, quando foi superado pelos escritos de Aristóteles que só então foram conhecidos no ocidente.
O fundador do neoplatonismo foi Plotino, um filósofo místico. Seu sistema rege-se por dois princípios capitais: o panteísmo (tudo é Deus) e a oposição ao materialismo.
Existe o uno que é ao mesmo tempo o “ser” e o “bem” e a “divindade”. Deste uno tudo emana. Primeiramente flui o nous (grego: idéia, inteligência); do nous vem a Alma do mundo, encarregada de realizar suas idéias (as idéias do nous). Da Alma do mundo emanam desde os anjos até a mais rude matéria. A matéria é um quase nada. É a maior imperfeição. O ser humano é um espírito degradado, pois integrou-se na matéria (e isto é o seu pecado): precisa purificar-se para voltar a sua estado puro original, desmaterializado. O caminho para isto é a “ascese”, ou seja, o desprezo pelas coisas materiais, as privações corporais, as penitências, os jejuns.
Com o avançar dos séculos, a Igreja Católica se assenhoreia das principais instituições de transmissão da cultura: escolas e universidades. Gradativamente forma-se um sistema doutrinário-filosófico-pedagógico adotado no ensino, designado pelo termo: escolástica. O sistema filosófico de Aristóteles – cujas idéias e escritos chegaram à Europa através dos sábios árabes – acrescidos por comentários enriquecedores de vários professores-teólogos de nome – permeia e sustenta este corpo organizado de ensino filosófico-teológico que foi a grande contribuição da Idade Média para a história do pensamento ocidental.

Idade Moderna:

  • Renascimento (séculos XV e XVI)

A filosofia engaja-se no grande movimento antropocêntrico desta época e descarta as influencias religiosas. Divorcia-se da teologia e volta-se para as fontes originais da filosofia grega. Isto significa regressar para o homem, retornar para a natureza. Há um grande interesse pela epistemologia (teoria do conhecimento).
Os pensadores, convictos de que se conhece, experimentando, irmanam filosofia e ciência.
É uma fase de grande contestação e, ao menos filosoficamente, impõe-se um novo modelo de homem, cioso de suas faculdades racionais, batalhador por uma ciência cada vez mais inquestionável porque assentada em argumentos experimentais e experimentados.
Este enfoque conduz a filosofia no século seguinte, século XVII, à formulação de dois grandes sistemas por vezes muito divergentes: o racionalismo, que essencializa as verdades da razão, e o empirismo, que prioriza as impressões sensíveis, a validade dos fenômenos como ponto de partida para o conhecimento. O patrocínio desta corrente cabe aos ingleses: Francis Bacon, Hobbes, Locke, Hume, etc.
Estas duas correntes sintetizam-se no século posterior – século XVII – com o iluminismo, segundo o qual a razão humana é a grande luz. É a fonte do saber. É a única força que descobre as leis que regem o cosmos – portanto, é a dona da ciência. Ela é que tem a fórmula para resolver os problemas.
Fantasia-se com um homem ideal e universal que sobrepaira as especificidades e nacionalismos, espancando as trevas da ignorância, difundindo a cultura, defendendo a liberdade e os direitos.

Idade Contemporânea:

  • Século XIX à Atualidade

A partir da segunda metade do século XIX, a ciência e seus métodos se infiltravam cada vez mais na sociedade e tomam para si progressivamente as áreas que até então eram territórios da filosofia. É o caso da psicologia e da sociologia, que se organizam como ciências autônomas, e outras. A hegemonia é da ciência: a crença e a esperança estão no seu poder pra resolver os problemas do mundo.
Os movimentos se multiplicam, como um fogo de artifício que se ejeta do solo como um todo e depois, no alto, explode em numerosos fragmentos, caindo sobre a terra como uma chuva fosforescente. Cada um com seu brilho, cada um com sua efemeridade. Assim podemos, por exemplo, enumerar o positivismo, com sua idolatria pela ciência; o socialismo, que prega novas formas de organização social que trariam a felicidade para o homem; o antropologismo cultural, que viaja inicialmente sonhando com um caminho para uma cultura universal, mas que recua em breve para o culto da pluralidade, para a valorização das culturas. Resta à filosofia uma área de atuação bem mais restrita. Há até profetas de sua morte. Mas ela permanece, talvez mais como teoria das ciências, como ética, como epistemologia; continua também como um sensor crítico de todas as ondas sociais, e nesta perspectiva é que os movimentos filosóficos se engendram e dão a sua contribuição.


Algumas correntes são mais visíveis, como:

  • A fenomenologia com suas profundas mais muito complexas teorias sobre o fenômeno da consciência e do pensar;
  • As correntes que estudam o funcionamento da linguagem;
  • A teoria dos valores. São seus representantes pensadores como Husserl, Wittgenstein, Bretano...
  • A filosofia da vida de Bérgson e Blondel, que se opõe ao materialismo e ao determinismo e expõe sua concepção de mundo sob o signo da vida;
  • A filosofia da existência, ou existencialismo. Contrapondo-se à tradição filosófica centrada nas essências, no infinito, esta corrente nucleariza suas reflexões na existência, no finito, no homem histórico, nas particularidades, nas diferenças, no existir e não tanto no existir. Embora de difícil classificação, pois não há uma linha comum de pensar, dependendo mais das posições de cada autor, pode-se falar, contudo, num existencialismo de fundamentação alemã, gerado pelo pensamento de Jaspers e Heidegger, e num existencialismo de base francesa, assentado no pensamento de Sartre, Camus e Marcel.
    Capilarizando-se por entre estas grandes tendências, temos uma série de veios filosóficos que testemunham bem a pluralidade de pensar destes anos mais recentes, tais como o personalismo (Mounier), a nova escolástica (Maritain), o estruturalismo (Levy Strauss, Barthes), o neomarxismo (Gramsci), a Escola de Frankfurt (Horkheimer, Adorno), etc.

O VALOR DA FILOSOFIA

Fantasie a seguinte cena: por comportamentos insanos, todos os homens se destroem. Sobra só você. Você e os demais seres ficariam como estão. Você, porém, não teria condições de interferir no mundo, só de contemplá-lo. Qual seria o destino de tudo que existe agora? Por exemplo, um “apagão” deixando o sul do país sem luz... Quem o consertaria? E você, que foi o único que sobrou, quanto tempo duraria? E os animais? E assim vai... Continue pensando nas conseqüências...
A vida nos seus estados mais avançados permanece, progride e programa-se porque o homem pensa. A humanidade para ser o que é no atual estágio depende do saber. Não existe saber prático sem antes um saber teórico, mesmo hipotético. Sem entendimento dos fenômenos, não há ciência, e sem ciência nosso mundo teria vivido pouco. Explicar é condição de vida. Explicar é filosofia. Frequentemente, um grande cérebro cientista é também um cérebro filosófico.
Acenda agora um spot bem luminoso sobre as grandes obras artísticas que estão vencendo o tempo: uma escultura, uma pintura, uma música, um romance, uma catedral... Por trás delas há sempre um pensamento competente ou até genial que a projetou e executou. E elas não morrem porque são nascentes copiosas de novos pensamentos. A grande arte é comumente grande filosofia, e permeando o grande artista há quase sempre um sentir filosófico.
E quem vence os pré-conceitos, aquelas idéias negativas ou positivas, baseadas em meras sensações, no “ouvir dizer”, no “eu acho” que tanto atrasam e lesam o mundo? Basta pensar nos preconceitos sexuais, raciais, religiosos, políticos...
O nazismo, o fascismo, o comunismo, as ditaduras de direita ou de esquerda que tanto pisotearam a humanidade no recente século passado não foram adubados por filosofias?
Sem a filosofia que desestabiliza o estabilizado e vice-versa, que duvida do certo, que hesita nas decisões taxativas, que busca incoerências no coerente, etc., haveria a intensidade e a rapidez nas mudanças que a história humana assistiu nos milênios já decorridos?

  • Responda a seguinte pergunta: você acha que a filosofia é “um saber sem o qual ou com o qual o mundo fica tal e qual?”
  • Quem busca o resultado imediato, o poder, a fama, a riqueza, a receita pronta do sucesso, pouco se interessando pela consistência da pessoa, etc., responderá sim!

Convite à filosofia
Mas você responderá não, “se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências, na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações, numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.” (Marilena Chauí)