segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A TRAJETÓRIA DA FILOSOFIA

A filosofia, como postura humana que anseia por um conhecimento racional, global, sistêmico, coerente das realidades humanas e extra-humanas é um fenômeno natural da Grécia.
De modo algum afirmamos que os outros povos não tiveram filosofia. Claro que tiveram e têm. Por trás da cultura hindu, japonesa, indígena, etc., percebe-se o pensamento filosófico, mas o sistema de apanhar o existente e abarcá-lo com um pensamento profundo, amplo, ordenado, coeso, coerente e preciso foi exclusividade grega.
Foi um plantio helênico que enraizou todo o pensar de nosso mundo ocidental. A civilização da Europa ocidental e, pela colonização, também da América, ergue-se sobre três colunas mestras: a espiritualidade judaico-cristã, o direito romano e o pensamento grego. Até a nomenclatura de estudos e ciências dificilmente escapa da Grécia. Nem a atualíssima ciência da computação conseguiu fugir dos tentáculos gregos e registrou-se como “cibernética” (do grego: tékne kibernetikê = “a arte do piloto”).
Os estudiosos atribuem essa primazia a alguns acontecimentos históricos que a Grécia teve competência para operar e que influenciaram substancialmente no modo grego de pensar. Alguns momentos importantes destas experiências históricas:
  • Viagens marítimas: Descobrindo locais e regiões remotas, habitadas segundo a imaginação por monstros, deuses, gigantes..., perceberam que nada disso existia no concreto. Houve o desencanto quanto às explicações pelo mito e fortificou-se a busca das explicações pela mente.
  • A criação do dinheiro: O ato material e concreto do escambo ficou abstrato. Exige cálculo, discussão de valores, análise de materiais, etc.
  • A invenção do calendário: A passagem e mudança do cosmo podia ser medida. O tempo era algo de natural e podia servir como baliza para analisar os fatos, as coisas...
  • A escrita fonética: Possibilitou escrever os pensamentos, não apenas figurá-los, com uma alta definição de detalhes, nuances, precisões jamais vistos.
  • O surgimento das cidades: A complexa vida do aglomerado urbano forma uma intrincada teia de relacionamentos em que tudo precisa sofisticar-se e evoluir. Neste emaranhado quem não se atualiza morre. Além do mais a vida em sociedade cria instituições para sua manutenção, por exemplo, a política e suas leis, o sistema escolar, os espaços públicos e assim por diante.

    Inserindo o trajeto da filosofia na clássica divisão das idades da História temos:

Idade Antiga:

  • Período pré-socrático (século VIII a.C.):
    Os pensadores dessa época tentam obter explicações para os mistérios da natureza: sua origem, sua constituição, suas leis intrínsecas, suas mutações. Principais pensadores: Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Pitágoras, Heráclito, Parmênides, Zenão, Anaxágoras, Empédocles, Demócrito...
    Uma pequena amostra: o princípio do mundo, portanto, de todas as coisas para Tales está na água; para Anaximandro, no ar; para Empédocles, nos quatro elementos: terra, fogo, ar, água.
    Para explicar a constituição do mundo, Demócrito cria praticamente o principio fundamental da teoria atômica, aparecida mais de um milênio depois. E, assim, Heráclito com suas idéias sobre o eterno movimento dos seres; Pitágoras com a importância do número... Idéias tão consistentes que ainda hoje agitam a moderna ciência.
  • Período socrático (século IV a.C.):
    Talvez devido às transformações políticas com as experiências democráticas na pólis de Atenas, sendo o cidadão estimulado a participar, deslocou-se o centro de interesse da reflexão filosófica: da natureza, para o homem. Emerge o problema antropológico: os filósofos priorizam o ser humano como tema principal de pesquisa.
    Sócrates é um marco divisório. Com ele, cria-se o mais esplendoroso edifício filosófico da Idade Antiga, embasado num sólido tripé ascensional: Sócrates – Platão – Aristóteles.
    A grande contribuição de Sócrates, conduzindo a mente humana a definir os conceitos, cresce com Platão, com suas elucubrações sobre as idéias e atinge o clímax com o grande sistema de pensamento de Aristóteles.
    Convicto de que a Filosofia devia ser a ciência de todos os conhecimentos e práticas do homem, Aristóteles organiza todo o saber de seu tempo, elaborando, inclusive, um método de pensar o pensamento (a Lógica) a que os filósofos posteriores pouco acresceram de essencial.
  • Período pós-socrático (século III ao século I a.C.):
    A filosofia transforma-se em um sistema de vida; procura preencher os vazios deixados pela negação dos mitos. Têm altos e baixos, mas não mantém a altura de vôo da época áurea.
    Perde o vigor e na linguagem de hoje pode-se compará-la à abundante literatura de auto-ajuda e/ou de formação ética, propondo vias de cura espiritual, de felicidade, de bem-estar... De forma freqüentemente individual e subjetiva.
    Algumas escolas se destacam, como o estoicismo de Zenão de Cítio, o epicurismo, o neoplatonismo de Plotino.
  • Período patrístico (século I ao século V d.C.):
    A filosofia grega defronta-se com o cristianismo dos padres da Igreja Católica; daí o nome de “patrística”. Surgem as primeiras elaborações filosóficas viabilizando uma conciliação entre as verdades religiosas, oriundas da fé na revelação divina, e a razão humana. O grande destaque é Santo Agostinho.

Idade Média:

Com a oficialização do cristianismo pelo Império Romano, no século IV d.C., ainda na Idade Antiga, as idéias cristãs entram na Idade Média, crescendo sempre em importância maior frente à Filosofia. As idéias religiosas e filosóficas caminham juntas, mas em paralelo. As honras são para as religiosas. Nos momentos em que se unem, a Filosofia é criada da teologia e serve-a como sustentáculo racional para os mistérios da fé. A patrística, nascida na Idade Antiga, revigora-se muito no primeiro período da Idade Média nutrindo-se bastante das idéias de Platão, não diretamente, mas através de suas ampliações e adaptações pelo Neoplatonismo. Os padres perceberam que estas filosofias de fundo platônico serviam para a defesa e apologia dos princípios cristãos.
Sobre o neoplatonismo fez-se mister um breve comentário, pois sua influência na Idade Média foi enorme, praticamente até o século XIII, quando foi superado pelos escritos de Aristóteles que só então foram conhecidos no ocidente.
O fundador do neoplatonismo foi Plotino, um filósofo místico. Seu sistema rege-se por dois princípios capitais: o panteísmo (tudo é Deus) e a oposição ao materialismo.
Existe o uno que é ao mesmo tempo o “ser” e o “bem” e a “divindade”. Deste uno tudo emana. Primeiramente flui o nous (grego: idéia, inteligência); do nous vem a Alma do mundo, encarregada de realizar suas idéias (as idéias do nous). Da Alma do mundo emanam desde os anjos até a mais rude matéria. A matéria é um quase nada. É a maior imperfeição. O ser humano é um espírito degradado, pois integrou-se na matéria (e isto é o seu pecado): precisa purificar-se para voltar a sua estado puro original, desmaterializado. O caminho para isto é a “ascese”, ou seja, o desprezo pelas coisas materiais, as privações corporais, as penitências, os jejuns.
Com o avançar dos séculos, a Igreja Católica se assenhoreia das principais instituições de transmissão da cultura: escolas e universidades. Gradativamente forma-se um sistema doutrinário-filosófico-pedagógico adotado no ensino, designado pelo termo: escolástica. O sistema filosófico de Aristóteles – cujas idéias e escritos chegaram à Europa através dos sábios árabes – acrescidos por comentários enriquecedores de vários professores-teólogos de nome – permeia e sustenta este corpo organizado de ensino filosófico-teológico que foi a grande contribuição da Idade Média para a história do pensamento ocidental.

Idade Moderna:

  • Renascimento (séculos XV e XVI)

A filosofia engaja-se no grande movimento antropocêntrico desta época e descarta as influencias religiosas. Divorcia-se da teologia e volta-se para as fontes originais da filosofia grega. Isto significa regressar para o homem, retornar para a natureza. Há um grande interesse pela epistemologia (teoria do conhecimento).
Os pensadores, convictos de que se conhece, experimentando, irmanam filosofia e ciência.
É uma fase de grande contestação e, ao menos filosoficamente, impõe-se um novo modelo de homem, cioso de suas faculdades racionais, batalhador por uma ciência cada vez mais inquestionável porque assentada em argumentos experimentais e experimentados.
Este enfoque conduz a filosofia no século seguinte, século XVII, à formulação de dois grandes sistemas por vezes muito divergentes: o racionalismo, que essencializa as verdades da razão, e o empirismo, que prioriza as impressões sensíveis, a validade dos fenômenos como ponto de partida para o conhecimento. O patrocínio desta corrente cabe aos ingleses: Francis Bacon, Hobbes, Locke, Hume, etc.
Estas duas correntes sintetizam-se no século posterior – século XVII – com o iluminismo, segundo o qual a razão humana é a grande luz. É a fonte do saber. É a única força que descobre as leis que regem o cosmos – portanto, é a dona da ciência. Ela é que tem a fórmula para resolver os problemas.
Fantasia-se com um homem ideal e universal que sobrepaira as especificidades e nacionalismos, espancando as trevas da ignorância, difundindo a cultura, defendendo a liberdade e os direitos.

Idade Contemporânea:

  • Século XIX à Atualidade

A partir da segunda metade do século XIX, a ciência e seus métodos se infiltravam cada vez mais na sociedade e tomam para si progressivamente as áreas que até então eram territórios da filosofia. É o caso da psicologia e da sociologia, que se organizam como ciências autônomas, e outras. A hegemonia é da ciência: a crença e a esperança estão no seu poder pra resolver os problemas do mundo.
Os movimentos se multiplicam, como um fogo de artifício que se ejeta do solo como um todo e depois, no alto, explode em numerosos fragmentos, caindo sobre a terra como uma chuva fosforescente. Cada um com seu brilho, cada um com sua efemeridade. Assim podemos, por exemplo, enumerar o positivismo, com sua idolatria pela ciência; o socialismo, que prega novas formas de organização social que trariam a felicidade para o homem; o antropologismo cultural, que viaja inicialmente sonhando com um caminho para uma cultura universal, mas que recua em breve para o culto da pluralidade, para a valorização das culturas. Resta à filosofia uma área de atuação bem mais restrita. Há até profetas de sua morte. Mas ela permanece, talvez mais como teoria das ciências, como ética, como epistemologia; continua também como um sensor crítico de todas as ondas sociais, e nesta perspectiva é que os movimentos filosóficos se engendram e dão a sua contribuição.


Algumas correntes são mais visíveis, como:

  • A fenomenologia com suas profundas mais muito complexas teorias sobre o fenômeno da consciência e do pensar;
  • As correntes que estudam o funcionamento da linguagem;
  • A teoria dos valores. São seus representantes pensadores como Husserl, Wittgenstein, Bretano...
  • A filosofia da vida de Bérgson e Blondel, que se opõe ao materialismo e ao determinismo e expõe sua concepção de mundo sob o signo da vida;
  • A filosofia da existência, ou existencialismo. Contrapondo-se à tradição filosófica centrada nas essências, no infinito, esta corrente nucleariza suas reflexões na existência, no finito, no homem histórico, nas particularidades, nas diferenças, no existir e não tanto no existir. Embora de difícil classificação, pois não há uma linha comum de pensar, dependendo mais das posições de cada autor, pode-se falar, contudo, num existencialismo de fundamentação alemã, gerado pelo pensamento de Jaspers e Heidegger, e num existencialismo de base francesa, assentado no pensamento de Sartre, Camus e Marcel.
    Capilarizando-se por entre estas grandes tendências, temos uma série de veios filosóficos que testemunham bem a pluralidade de pensar destes anos mais recentes, tais como o personalismo (Mounier), a nova escolástica (Maritain), o estruturalismo (Levy Strauss, Barthes), o neomarxismo (Gramsci), a Escola de Frankfurt (Horkheimer, Adorno), etc.

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